Por que as igrejas tradicionais se distanciaram das periferias?

Por Gutierres Siqueira

Sou pentecostal mas tenho um carinho especial pelas igrejas tradicionais, como presbiterianas, batistas, metodistas e congregacionais. Mas um fato me espanta- As igrejas tradicionais abondaram as periferias. Agora, com exceção das igrejas batistas, há pouca representação nos bairros mais pobres das denominadas igrejas históricas. Em São Paulo, por exemplo, é raro achar uma Igreja Presbiteriana do Brasil na região de Parelheiros, no extremo sul da capital paulista. Essa região agrega vários bairros pobres que estão cheios de igrejas pentecostais e neopentecostais, mas quase nada de igrejas reformadas.

Alguns reformados alegam que a sua mensagem é de difícil assimilação para pessoas de baixo grau de instrução. Ora, será que as igrejas em bairros de classe-média e média-alta têm membros com boa compreensão? Os jovens universitários de igrejas na Vila Mariana, bairro de classe-média, conhecem bem a estrutura doutrinária de suas igrejas? Ou o desconhecimento é geral, independente de classes sociais e grau de estudo? O problema, então, não seria didático? Será que é possível colocar a inércia na periferia como uma questão de dificuldade no ensino?

Outra desculpa é que a mensagem reformada não é agradável ao grande público. Convenhamos, uma igreja como a “Deus é Amor”, extremamente legalista, traz em sua mensagem “curas” com um alto grau de comprometimento com a rigidez doutrinária da denominação, mas mesmo assim só penetra nas periferias. O ultralegalismo de algumas igrejas pentecostais ou neopentecostais não impede o seu crescimento. Então, por que a doutrina reforma seria tão pesada assim para que as pessoas se distanciassem de seus cultos?

E você, amigo tradicional ou pentecostal, o que acha desse distanciamento das periferias pelas igrejas históricas?

maio 17, 2010 at 5:30 pm Deixe um comentário

O pentecostalismo, a privacidade e Jesus Cristo

Por Gutierres Siqueira

O cronista português João Pereira Coutinho escreveu em artigo dizendo que “a privacidade é talvez a maior conquista da civilização judaico-cristã”. Mediante esta frase fiquei a meditar como as Escrituras nos incentiva para uma prática de espiritualidade recatada, privativa, mas que reflete em nosso caráter exercido no dia a dia. Na adoração, que é um ato de intimidade entre a criatura e o Criador, somos compelidos a trancar a porta. Infelizmente, como o caminho bíblico é desprezado em boa parte das igrejas pentecostais que fazem da adoração um verdadeiro circo, um espetáculo pessoal, com direito a todo tipo de apresentação.

Jesus disse: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6.6). Assim é adoração a Deus: um momento de intimidade privativa, redundância proposital para expressar a grandeza de elevar a Deus um louvor sincero, que não será alvo de apreciação de nenhum outro homem. Adoração não é espetáculo, não é palco. Adoração é quarto com a porta trancada. É por trás das cortinas como no templo veterotestamentário.

O privativo Jesus jamais falaria em línguas em um sermão quando não há quem interprete. Ora, como deixa bem claro o apóstolo Paulo no magistral texto de I Co 14 (um dos mais desprezados nas igrejas pentecostais) as línguas quando não interpretadas é intimidade entre o falante e Deus, que o ouve e o entende (14.3). Não é algo para compartilhar com dezenas de pessoas. Agora, quando interpretado deve ser compartilhado com os demais, pois já não é adoração, mas sim uma profecia (14.28)

Jesus era seguido por grande multidão e curava a todos, mas “advertindo-lhes, porém, que o não expusessem à publicidade” (Mt 12.16). Sim, Jesus não fazia espetáculo com seus milagres, não promovia shows de testemunhos e até proibia que os curados saíssem gritando pelas ruas que foram por Ele libertos. O recato de Cristo é impressionante, mas isto já tinha sido profetizado por Isaías:

Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios. Não clamará, nem gritará, nem fará ouvir a sua voz na praça. Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega; em verdade, promulgará o direito. Não desanimará, nem se quebrará até que ponha na terra o direito; e as terras do mar aguardarão a sua doutrina. (42. 1-4, cf. Mt 12. 16-21)

Como é diferente dos nossos dias, em que cartazes e carros de som anunciam a pregação “do grande homem de Deus” que visitará a cidade ou o bairro. A simplicidade de Cristo não é modelo para esse pregadores que arrotam vaidade, orgulho e ostentação de grandeza. A publicidade era abominada pelo Senhor, pois Ele não se portava como um agente de serviço ou vendedor de coisa supérflua, mas sim anunciava a salvação.

Então, quando mais discreta for a sua e a minha espiritualidade, melhor será.

maio 17, 2010 at 5:26 pm Deixe um comentário

Entrevista com Gedeon Freire de Alencar

Gedeon Freire de Alencar é presbítero da Igreja Assembléia de Deus Betesda em São Paulo, mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista, diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos (ICEC). É membro da Associação Brasileira de História da Religião, Associação de Professores de Missões do Brasil e da Rede de Teólogos e Cientistas Sociais do Pentecostalismo na América Latina e Caribe.

Alencar escreveu o livro de cunho sociológico Protestantismo Tupiniquim: Hipóteses Sobre a (não) Contribuição Evangélica à Cultura Brasileira (Arte Editorial). No ano 2000, em seu mestrado na Universidade Metodista defendeu a dissertação: Todo poder aos pastores, todo trabalho ao povo, e todo louvor a Deus. Assembléia de Deus: origem, implantação e militância (1911-1946). Nessa dissertação faz uma interessante análise da história assembleiana a em sua primeira fase no Brasil.

Nessa divertida entrevista discutiremos um pouco sobre o pentecostalismo (ou pentecostalismos) no Brasil.
Blog Teologia Pentecostal: Qual a importância da Assembléia de Deus para o pentecostalismo do século XXI? Essa denominação ainda consegue influenciar as tendências pentecostais no Brasil?

Gedeon Alencar: A AD é o elemento principal do que eu chamado de ” matriz pentecostal brasileira” (aliás, isto é base de meu projeto de doutorado que não consegui, por diversas razões, levar adiante).

As duas primeiras igrejas pentecostais são AD e CCB. A Congregação, nas primeiras quatro décadas fundamentais para sua formação, é uma igreja étnica- isso não é dito com mérito ou demérito. Além de ser ultra calvinista (talvez mais que o próprio Calvino): se tornou uma igreja fechada. Note: não estou afirmando que isto é bom ou ruim; estou fazendo uma constatação histórica. Hoje ela é bem parecida com o que era há anos atrás. Não mudou quase nada do seu modelo original. Isso implica que, por seu isolamento social, não teve influencia na formulação do pentecostalismo brasileiro, e muito menos, na produção cultural do país.

Já a AD desde cedo se “abrasileirou”, apesar da liderança sueca. Desde os primeiros anos a liderança assembleiana foi tomada (e tomada mesmo…) por nordestinos. A convenção de 30, a primeira, é convocada por líderes nordestinos contra a vontade dos suecos. Não estou inventando nem interpretando, basta ler os registros no Jornal a Boa Semente publicados nos anos mais “quentes” de 28 a 30.

A AD posteriormente, brasileira, nordestina, pobre, simples, periférica, sem dinheiro e ligação com o exterior, que em vinte anos (não com muito dinheiro, TV e política na mão) alcança o Brasil – é uma igreja brasileira, feita por brasileiros, e para brasileiros!

Uma ultima coisa: todos os demais movimentos, denominações e instituições que se “pentecostalizaram” ou se “renovaram” têm, ou tiveram, alguma influencia do pentecostalismo assembleiano. O costume da saudação da “paz do Senhor”, o hinário, o modelo patrimonialista, usos e costumes, a ênfase evangelística, a dinâmica e participação do povo, etc., todas estas questões estão presentes em todos os movimentos pentecostais, por mais independentes que sejam, e são originados da “matriz pentecostal assembleiana”.  A AD é que nunca conseguiu capitalizar em cima disso.

02. Em sua dissertação sobre a Assembléia de Deus, o senhor destaca um papel forte da missionária Frida Vingren, esposa do co-fundador Gunnar Vingren, nas importantes decisões eclesiásticas da nascente denominação. Frida Vingren, como mulher, poderia ser classificada com um fenômeno inédito no cenário evangélico brasileiro?

Frida Vingren é, a meu ver, a maior heroína assembleiana e, ao mesmo tempo, a maior injustiçada da história assembleiana. Só se fala em Gunnar Vingren e Daniel Berg – típico de uma historiografia machista. Em 1917, ela sai sozinha e solteira da Suécia, passa nos EUA e vem ao Brasil para casar com Vingren. Aqui canta, ora, prega, escreve mais de 80% do jornal (Boa Semente), faz culto nos presídios, na Central do Brasil, escreve música e poesia, organiza a Harpa, escreve Atas, enfim, dirige a igreja! Seu marido desde o primeiro mês no Brasil é um home doente de malária, é ela quem carrega o piano! É exatamente por isso que ela tem muitos inimigos – desde os cabras machos nordestinos que não querem ser liderados por uma mulher ao seu contemporâneo Samuel Nystron que é contra a liderança feminina. No livro ” História da Convenção”, publicado pela CPAD, o jornalista Silas Daniel, resgata algumas cartas nada amistosas que Nystron e Gunnar trocaram.

Não é inédito porque a religião, não somente o pentecostalismo brasileiro, sempre teve grandes mulheres, mas como sempre marginalizadas. Ainda hoje é assim. Tem uma tese na PUC sobre as mulheres que pentecostais que o titulo diz tudo; “O silencio que deve ser ouvido”. E um trabalho de missiologia da Laura de Aragão, no CEM, é outro primor: “Escolhidas por Deus, rejeitadas pelos homens”

03. Gunnar Vingren não viveu muito para ver o desenrolar de sua obra missionária. Na sua dissertação o senhor especula que a Assembléia de Deus talvez poderia ter tomado “outro rumo” com os Vingren por mais tempo na denominação. Qual seria esse “outro rumo”?

Amigo, eu sou sociólogo, não vidente…

Gunnar Vingren era formado em teologia pelo Seminário Teológico Sueco de Chicago, era a favor da mulher no ministério – sua mulher é a prova disso. Na década de 20, no RJ, consagra mulher ao diaconato. E em sua época, as mulheres participavam, não apenas ouvindo, mas falando e dando palpites nas reuniões da igreja. Em todas as fotos oficiais de convenção tem mulheres. Registra em seu diário que pregou na Congregação Cristã. E também nessa época tinha manifestações de “risos no Espírito” de forma que não podia continuar pregando – se isto tudo é erro ou acerto, isso não é problema meu. Mais uma vez um aviso: não estou inventando nem interpretando. Tudo está registrado em seu livro “Diário de um pioneiro” e no Jornal Boa Semente. Gunnar não era (como os demais suecos e toda a liderança assembleiana), contra o ensino teológico e formação em seminários teológicos; era a favor da mulher no ministério; era bem aberto as demais igrejas de sua época; e tinha um pentecostalismo bem “original”.

Ficou poucos anos da liderança, ademais era um homem doente, como ele mesmo diz “a igreja estar bem liderada por minha mulher e os obreiros”, quem liderava  efetivamente era Frida. Levou um golpe da liderança nordestina da época em 1930, foi embora, e  morreu logo em seguida. É laureado como herói atualmente, mas em vida foi voto vencido em todos seus projetos. A AD dirigida por Gunnar Vingren seria bem diferente da que se formou. Melhor ou pior? Não tenho a mínima idéia, mas diferente com certeza.

04. Por que a Assembléia de Deus adotou um discurso tão ultra-conservador nos usos e costumes? A origem marginalizada “sueca- nordestina” seria uma explicação satisfatória?

O “ethos sueco-nordestino” que Paul Freston desenvolve em sua tese, e eu repito na minha (o Freston foi meu orientador e depois participou da banca de minha defesa de mestrado), é uma das melhores explicações para isto, mas não é a única.

Não precisa recorrer a décadas de história, basta ver o presente. Onde e quais as igrejas (sejam ADs ou quaisquer outras) são conservadoras em usos e costumes? Apenas – veja, apenas – nas regiões pobres e mais periféricas. Igrejas em processo de “aburguesamento”, de classe média para cima não conseguem – ou não querem – ser conservadoras. Mesmo as ADs que falam tanto em “preservar a doutrina”, mas se preserva a “doutrina” apenas para os pobres e das igrejas nas periferias. Igrejas sedes e de classe média não tem “doutrina” que as segure. Portanto, neste processo a AD não estar sozinha; isso acontece, e aconteceu, com todas as demais igrejas. Mesmo que alguns queiram ligar o fato de “uso e costumes” a ação do Espírito Santo, lamento, mas isso diz respeito as questões econômicas.

05. Estudiosos como Bernardo Campos, Paul Freston e Robinson Cavalcanti defendem a tese que existe uma “pentecostalização” das igrejas históricas e uma “historização” das igrejas pentecostais clássicas ou de primeira onda. Quais são as implicações desse fenômeno para o mundo protestante?

Sim, isto é visível. O pentecostalismo, no Brasil, vai fazer cem anos, portanto, tem história. “Historizou-se”. O fenômeno religioso é dinâmico e, para mal ou bem, cíclico. Práticas religiosas que eram “pentecostais” anos passados ou décadas, se tradicionalizam. Ademais, se fala em pentecostalismo com fenômeno típico do século XX, mas muito disso já aconteceu em séculos passados nos Avivamentos, nos Movimentos de Santidade, na história de “santos” ou “hereges” medievais.

O mundo protestante vai sempre se “renovar” e/ou se “tradicionalizar”  a despeito de todos.

06. Como sociólogo, quais aspectos do pentecostalismo ainda faltam ser explorados pelos estudos sociais, especialmente pela Ciência da Religião?

Temos muitos trabalhos hoje sobre o fenômeno pentecostal na atualidade, mas ainda falta uma delimitação da “matriz pentecostal” (daí meu projeto de doutorado).  Agora o universo pentecostal hoje é tão amplo, plural, pitoresco e cheio de novidades que sempre haverá alguma coisa a ser explorada. Como brinco em sala de aula: O fenômeno religioso é tão original, que de tédio a gente não morre!

07. Como conhecedor do pentecostalismo latino, quais são as principais diferenças entres os pentecostais brasileiros e os demais carismáticos desse subcontinente?

Vou indicar apenas duas singularidades do pentecostalismo brasileiro. Em um congresso de sociologia na Costa Rica, tomei um susto quando conheci um pastor assembleiano peruano, um dos mais importantes, que era também o principal líder ecumênico em seu país. Assembleiano ecumênico é escasso no Brasil, mas não América Latina.

A AD, na América Latina, foi fundada e financiada pela AD nos EUA (diferente da AD no Brasil de origem sueca), portanto, a AD latina de fala espanhola é congregacional, como é a AD americana. Qual a AD brasileira é, estritamente falando, congregacional? Eu, particularmente, não conheço nenhuma.

junho 17, 2009 at 3:36 am 2 comentários

Biografia de Frida Vingren

Por Silas Daniel

Nascida em junho de 1891, no norte da Suécia, Frida Strandberg era de uma família de crentes luteranos. Formou-se em Enfermagem chegando a ser chefe da enfermaria do hospital onde trabalhava.

Tornou-se membro da Igreja Filadélfia de Estocolmo, onde foi batizada nas águas pelo pastor Lewi Pethrus, em 24 de janeiro de 1917. Pouco depois recebeu o batismo no Espírito Santo e o dom de profecia.

O chamado para a obra missionária sempre a impulsionou. Nessa época, surgiu na Suécia um movimento por missões, onde muitos jovens estavam imbuídos do desejo de ganhar almas para Cristo. Após comunicar ao pastor Pethrus que o Senhor a chamara para o campo missionário brasileiro, Frida ingressou em um Instituto Bíblico na cidade de Götabro, província de Närkre. O curso era freqüentado por pessoas que já tinham o chamado para missões e por aqueles que tinham apenas vocação missionária. Frida veio para o Brasil no ano de 1917, enviada pela igreja sueca e obedecendo ao chamado de Deus.

Em uma das visitas de Gunnar Vingren à Suécia devido ao seu debilitado estado de saúde, ele conheceu Frida, com quem travou forte amizade. Frida casou-se com o pastor Gunnar Vingren (fundador das Assembléias de Deus no Brasil) em 16 de outubro de 1917 em Belém do Pará, numa cerimônia presidida pelo missionário Samuel Nyström. O casal teve seis filhos: Ivar, Rubem, Margit, Astrid, Bertil e Gunvor.

Em março de 1920, irmã Frida foi acometida de malária, sofrendo com terríveis ataques de febre. Durante dois meses e meio, a luta pela vida foi tamanha, a ponto do marido pedir que Deus a curasse ou a levasse para si. Nesse período, a igreja em Belém se colocou em oração e jejum, esperando de Deus um milagre, que ocorreu em 3 de junho de 1920. Depois de seu restabelecimento, ela enfrentou o problema de saúde do marido. A partir do final daquele ano, Gunnar Vingren começou a sofrer de esgotamento físico, em conseqüência da dedicação exclusiva ao trabalho do Senhor, e pelas vezes que também contraiu malária. Por esse motivo, o casal decidiu passar um período na Suécia. O retorno ao Pará ocorreu em fevereiro de 1923.

Depois de muitos anos no Pará, a família Vingren, nessa época com quatro filhos, decidiu ir para o Rio de Janeiro. A mesma vontade de ganhar almas para Cristo continuou e o casal alugou uma casa no bairro de São Cristóvão, na Zona Norte da cidade, onde inaugurou o primeiro salão de cultos da AD no Estado. Irmã Frida continuou desenvolvendo atividades evangelísticas e abrindo frentes de trabalho em muitos lugares. A obra social da igreja, bem como grupos de oração e de visitas, ficou sob a responsabilidade da missionária. O dom de ensinar podia ser visto nas classes de Escola Dominical.

Na abertura dos cultos, fazia a leitura bíblica inicial e, quando o marido se ausentava em visita ao campo, era irmã Frida quem o substituía pregando e dirigindo os trabalhos. Ela gostava de ministrar estudos bíblicos.

O desprendimento da missionária e sua forte atuação na obra de Deus, muitas vezes foi motivo de crítica por parte de alguns. Mas, mesmo assim, ela nunca se limitou a desempenhar a função que o Senhor havia colocado em seu coração. Foi dirigente oficial dos cultos realizados aos domingos na Casa de Detenção no Rio e, pela facilidade que tinha para se expressar, pregava em todos os pontos de pregação da AD no Rio de Janeiro, em praças e jardins. Os cultos ao ar-livre promovidos no Largo da Lapa, na Praça da Bandeira, na Praça Onze e na Estação Central eram dirigidos pela irmã Frida.

Pela facilidade que tinha com a palavra escrita, Frida destacou-se entre os mais importantes colaboradores dos jornais Boa Semente, O Som Alegre e Mensageiro da Paz (que substituiu os dois primeiros a partir de 1930). Ela escrevia e traduzia mensagens evangelísticas, doutrinárias e de exortação. Foi também comentarista das Lições Bíblicas de Escola Dominical na década de 30. Além de escrever, Frida sempre se dedicou à música. Cantava, tocava órgão, violão e compunha hinos de grande valor espiritual. A Harpa Cristã contém cerca de 23 hinos de sua autoria, entre eles Deixai entrar o Espírito de Deus (n° 85) e Uma flor gloriosa(n° 196).

Depois de quinze anos dedicados ao nosso país, e de muito sofrimento por amor à Obra, a família Vingren decidiu retornar à Suécia em setembro de 1932. Dias antes da partida, a filha Gunvor faleceu, vítima de uma infecção na laringe. Frida faleceu em 30 de setembro de 1940, sete anos após o falecimento do marido.

Muitas vezes mal compreendida, questionada e criticada, Frida tinha certeza do seu chamado. Sua única convicção era de que o Senhor Jesus a acompanhava em todos os momentos de sofrimento e luta.

Ela entrou para a História como um dos maiores nomes do Movimento Pentecostal no Brasil.

FONTE: Jornal “Mensageiro da Paz”, n°1.453, junho 2006, CPAD por Site Vieira de Melo

junho 17, 2009 at 3:23 am Deixe um comentário

Frida Vingren: uma liderança feminina pioneira

Por Marcos José
Além Gunnar Vingren e de Daniel Berg, muitos outros personagens construíram as bases das Assembléias de Deus no Brasil. Adriano Nobre, José Rodrigues, José Calazans, Nils Nelsons, Nils Kastberg, Samuel Nystrom entre outros foram grandes ícones deste período de implantação das Assembléias de Deus. Mas não podemos nos esquecer de Frida Strandberg[1]. A liderança desta mulher nos chama muita atenção, pois sua atuação foi de suma importância para a consolidação da Assembléia de Deus no Brasil. Frida nasceu em junho de 1891, no norte da Suécia, era de uma família de crentes luteranos (a Igreja Estatal Oficial na Suécia). Formou-se em Enfermagem chegando a ser chefe da enfermaria do hospital onde trabalhava. Tornou-se membro da Igreja Filadélfia de Estocolmo, onde foi batizada nas águas pelo pastor Lewi Pethrus, em 24 de janeiro de 1917.

Neste mesmo ano recebeu o batismo com o Espírito Santo e o dom de profecia e se sentiu vocacionada para a obra missionária sendo enviada pelo pastor Pethrus para o campo missionário brasileiro e, chegando a Belém/ Pará, se casou Gunnar Vingren em 16 de outubro de 1917. Contraiu malária em março de 1920 e quase morreu. Recuperada viu seu marido pegar a mesma enfermidade várias vezes. Depois de muitos anos no Pará, a família Vingren migra para o Rio de Janeiro, seguindo o mesmo processo da migração nordestina.
Frida Vingren (nome de casada) desenvolveu grandes atividades evangelísticas, abriu frentes de trabalho em muitos lugares do Rio de Janeiro. As atividades de assistência social, círculos de oração e grupos de visitas ficaram sob sua responsabilidade. Também exercia a função de docência nas classes de Escola Dominical e ministrava Estudos Bíblicos. Era responsável – no inicio da obra no Rio de Janeiro – pela leitura devocional nas aberturas dos cultos, pela execução musical dos hinos – ela era organista e tocava violão – e, quando Gunnar Vingren se ausentava da Igreja em visita ao campo missionário, Frida substituía-o pregando e dirigindo os cultos e trabalhos oficiais.
Frida exerceu a direção oficial dos cultos realizados aos domingos na Casa de Detenção no Rio de Janeiro e era excelente pregadora, exercendo sob seus ouvintes grande carisma. Pregava e dirigia os cultos nos pontos de pregação da AD no Rio de Janeiro, em praças públicas e áreas abertas. Os cultos ao ar-livre promovidos no Largo da Lapa, na Praça da Bandeira, na Praça Onze e na Estação Central eram dirigidos por Frida, tendo Paulo Leivas Macalão como seu auxiliar direto[2].
Articulou-se como escritora de diversas matérias nos jornais oficiais[3] da AD, como os jornais Boa Semente, O Som Alegre e Mensageiro da Paz (este último agregou os dois primeiros). Ela escrevia mensagens evangelísticas e traduzia vários outros textos e hinos da língua escandinava. Foi também comentarista das Lições Bíblicas de Escola Dominical (hoje revista oficial da CGADB para a Escola Dominical) na década de 1930.

Além de excelente escritora, Frida sempre se dedicou à música. Cantava, tocava órgão, violão e compunha hinos de grande valor espiritual. Vinte e três hinos da Harpa Cristã são de sua autoria e alguns destes têm forte essência escatológica. Frida, ao que parece, não foi simplesmente uma colaboradora no processo de implantação da AD. Ela foi, juntamente com seu marido, a principal líder da Igreja entre 1920 e 1932. Alencar alega que
[Daniel] Berg é nulo […] Como Berg é inexpressivo na liderança e Vingren, doente, ficou pouco tempo efetivamente na liderança, fica a dúvida sobre quem de fato dirigia e dava “as cartas” nesta igreja em seus primeiros anos: Frida Vingren?[4]
O modelo de liderança de Frida Vingren, segundo relata Alencar, incomodou muito a liderança masculina da AD. Frida é o modelo de uma líder completa, numa época em que
As mulheres ainda não participavam da vida política do país nem mesmo como eleitoras, mas a AD permite que elas, excepcionalmente, sejam pastoras e ensinadoras. [O que incomoda então é a] influência de Frida Vingren? Com certeza. Ela prega, canta, toca, escreve poesia, textos escatológicos, visita hospitais, presídios, realiza cultos e – nada comum – dirige a igreja na ausência do marido (e… na presença também) […] na foto dos missionários… que participaram da Convenção de Natal [Rio Grande do Norte, 1930] ela é a única mulher que aparece. Onde estão as esposas dos outros [missionários e pastores]?… Frida chega a escrever um texto no Mensageiro da Paz… disciplinando a conduta dos obreiros.[5]
Frida é vista como uma mulher extraordinária. Ivar Vingren argumenta que
a esposa do irmão Vingren, foi também uma missionária fiel, perseverante e zelosa, que além do cuidado pela família, soube participar e ajudar no trabalho do seu esposo. Grande é a multidão de almas que ela ganhou para Jesus durante estes anos de luta junto com o seu esposo.[6]
Frida, numa das cartas selecionadas na obra autobiográfica dos Vingren, expressa o seu esgotamento físico e seus sentimentos acerca de seu trabalho pioneiro no Brasil[7]. Ela enumera as dificuldades na categoria “tribulação”, sofrimento” e “agonia”. Mas tem muita esperança, quando contempla os sinais de Deus operando na Igreja e nas congregações. Ela declara que tem pagado o preço do trabalho, mas sabe que nada é em vão perante o Senhor.
A missionária – dirigente dos trabalhos oficiais na AD do Rio de Janeiro (até então Missão Sueca) nesta mesma carta demonstra um sinal de frustração por ter de entregar a direção do Jornal “Mensageiro da Paz” aos líderes nacionais
O Senhor sabe de tudo, eu não quero defender-me, pois não sou sem falta, mas aquele dia tudo se revelará […] Agora, depois que entregamos a direção do jornal “Mensageiro da Paz”, eu pensei então que o nosso tempo aqui no Brasil talvez esteja terminado ou o Senhor talvez tenha alguma outra missão para nós cumprirmos […] Para mim é como arrancar o coração do meu peito, quando penso em deixar o Brasil para talvez nunca mais voltar![8]
É difícil aceitar que Frida seja “sem falta”. Ela faz tudo e assume toda a responsabilidade da Igreja em São Cristóvão/ RJ além de cuidar das congregações ligadas a esta Igreja, dirigir o jornal e articular outros trabalhos acima citados. Ela tem um esgotamento físico que chega a atingir o sistema nervoso e alega sofrer do coração. Sinais claros de cansaço de uma pessoa que se dedica integralmente à obra da Igreja.
É complicado vê-la somente como colaboradora ou à sombra de Vingren. Frida desabafa quando diz que “Gunnar tem estado enfermo a tanto tempo, que faz muito [tempo] que ele nem tem podido participar do trabalho”.[9] Por causa da enfermidade de Gunnar Vingren, este não teve o tempo e a energia suficiente para poder assumir o trabalho. Quem assume o trabalho integralmente é Frida, apesar de Samuel Nystrom – teórica e documentalmente – ser o segundo dirigente da Igreja na ausência de Gunnar Vingren.
É fato que Frida é uma mulher humilde que compreende seu papel de liderança e, sem soberba, relata como Deus, em uma revelação dada a uma irmã, a via quando ela auxiliava seu marido.
Quando nós [Gunnar e Frida] saímos do Pará e viemos ao Rio de Janeiro, uma irmã no Pará teve uma visão. Ela viu como Gunnar estava ajuntando frutas maduras num grande pomar e ela me viu também num canto do pomar, trabalhando com uma bomba de água, que estava regando todas as árvores[10]
Esta visão está muito próxima à lógica do ministério apostólico compreendido por Paulo. “Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento” (1 Co. 3.6). Gunnar seria Paulo? Frida, Apolo? A compreensão hermenêutica pentecostal pode nos abrir para essa possibilidade interpretativa. Mas, Frida nunca esteve “num canto do pomar”.
O fato é que Frida Vingren, com o agravamento da enfermidade de seu marido, foi preterida pela liderança nacional. Em 1932, por causa do estado de saúde de Gunnar, toda a família Vingren é obrigada a voltar à Suécia para cuidar da saúde de Gunnar. Neste mesmo ano, antes de viajar para a Suécia, o casal Vingren sofre com a morte de sua filha caçula. Frida perde o que lhe é mais precioso no período de dois anos (1932-1933). Perde sua filhinha, é forçada pelas circunstâncias explícitas (doença do marido) e implícitas (a oposição da liderança nacionalista e masculina) a deixar o trabalho eclesiástico por ela exercido e suportar a perda – por falecimento – de seu marido. Sete anos depois do falecimento de Gunnar, Frida também entra pelas portas das mansões celestiais e as obras de suas mãos a acompanharam e naquele dia tudo se revelará.

Então ouvi uma voz dos céus dizendo escreva: Felizes os mortos que morreram no Senhor… Diz o Espírito: Sim, eles descansarão das suas fadigas, pois as suas obras os seguirão”. (Ap. 14.13).
Frida Vingren é o típico modelo de mulher pentecostal que exerceu o seu ministério pastoral na periferia do poder clerical. Dentro das AD se constituíram as sociedades eclesiais femininas como grupos de visitação, de oração, de louvor, assistência social; Frida é a origem. As mulheres exercem espaço na liturgia, na pregação, no culto, na educação bíblica, na assistência social e no serviço religioso, mas dificilmente o ministério pastoral.
Frida (representando aqui o ministério feminino) é um protótipo de liderança silenciada e, infelizmente, marginalizada nas AD. Rosemary Ruether diz que
O ministério feminino baseado em dons carismáticos renasce continuamente na prática e também é continuamente marginalizado do poder nas instituições históricas das igrejas.[11]
As mulheres pentecostais têm um papel fundamental na organização e manutenção das estruturas laicas das igrejas pentecostais, como podermos ver na biografia de Frida Vingren. Contudo, elas são marginalizadas, inferiorizadas e preteridas dentro das estruturas significantes de poder. Estão à margem e dificilmente, dentro do modelo patriarcalista das igrejas pentecostais clássicas, chegarão ao centro do poder.
A liderança nacional desde a 1ª. Convenção Geral das Assembléias de Deus do Brasil (caso Frida Vingren, por exemplo) tem feito de tudo para tirar de foco a discussão sobre o ministério feminino na Igreja. O Ministério de Madureira tem consagrado mulheres para o exercício do diaconato e para o ministério missionário.
As mulheres dos pastores presidentes – anteriormente consideradas “a esposa do pastor…” – agora têm sido reconhecidas como missionárias. O Ministério do Belém – ligado a CGADB, nem ao diaconato tem consagrado mulheres. As mulheres não são consultadas acerca das grandes decisões e iniciativas institucionais.
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Fonte: MARTINS, Marcos José. A dimensão escatológica da hinologia clássica pentecostal. São Bernardo do Campo: [s.n.], 2008. 110 p. Bibliografia — Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2008. (páginas 30 a 35 – Trabalho de Conclusão de Curso Bacharelado de Teologia)

[1] MELO, Vieira de. Frida Vingren. Site: vieirademelo.googlepages.com. Disponível em: http://vieirademelo.googlepages.com/fridavingren. Acesso em 01/11/2008. Conferir também: Jornal “Mensageiro da Paz”, n°1.453, junho 2006, CPAD.

[2] VINGREN, 1973. p. 122 a 124.
[3] ALENCAR, 2000. 161p. Conferir um estudo sobre os temas das matérias escritas por Frida Vingren nas páginas 72, 106 e o espaço concedido a escritos de mulheres na página 108.
[4] Id., ibid., p. 55 e 56. O autor trabalha o estilo de liderança Gunnar Vingren – Frida Vingren.
[5] Id., ibid., p. 56
[6] VINGREN, 1973. p. 198
[7] Id., ibid., p. 198 e 199.
[8] Id., ibid., p. 198 e 199. Este jornal, enquanto não passou para a direção dos líderes nacionais, só trouxe aflição para o casal Vingren. Gunnar e Frida trabalharam incessantemente para que o jornal fosse aceito nacionalmente e, quando conseguiram este feito juntamente com Samuel Nystrom, os líderes nacionais só sossegaram quando assumiram a direção do jornal. Conferir mais informações sobre essas tensões nas páginas 178-179 e 189.
[9] Id., ibid., p. 199.
[10] Id., ibid., p. 198.
[11] RUETHER, Rosemary Radford. Sexismo e religião: rumo a uma teologia feminista. São Leopoldo: Sinodal, 1993. p. 164

BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, Gedeon Freire de। Todo poder aos pastores, todo trabalho ao povo, e todo louvor a Deus: Assembléia de Deus: origem, implantação e militância 1911-1946. 2000. 161 p. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo/SP, 2000.
RUETHER, Rosemary Radford। Sexismo e religiao: rumo a uma teologia feminista. São Leopoldo: Sinodal, 1993. 239 p.
VINGREN, Ivar. Gunnar Vingren, o diário do pioneiro. Rio de Janeiro: CPAD, 1973. 222 p.

junho 17, 2009 at 3:14 am 1 comentário

As sutilezas do discurso pseudopentecostal

Por Gutierres Siqueira

Uma análise atenta dos discursos de alguns pregadores dentro do pentecostalismo, ou melhor, do pseudopentecostalismo contemporâneo, mostra um quadro preocupante. Algumas técnicas usadas nas preleções são distantes do cristianismo historio que adoecem o entendimento correto da kerigma. Vejamos algumas dessas técnicas:

– Entonação emotiva na voz

Esse aspecto é largamente usado. Tais pregadores querem conquistar suas platéias pelo despertar das emoções em detrimento da razão. Não existe nada de errado no exercício da emoção durante um culto, mas o uso excessivo desse aspecto humano esconde muitas irracionalidades propagadas por meio dos microfones.

Para uma boa comunicação é necessário voz melosa e emotiva, ou gritos estridentes? É claro que não. O que é essencial para a comunicação, certamente está na clareza, simplicidade, profundidade e transparência do discurso.

– Uso de propagandas populistas

Muitas vezes dá até nojo ouvir alguns programas evangélicos nas rádios paulistanas. A propaganda em cima “do grande homem de Deus” chega ao ridículo da bajulação barata e idólatra. Algumas expressões são comuns, tais como “apóstolo da fé”, “o homem que Deus ouve suas orações”, “ o grande missionário”, “o maior pregador de cura desse país” , “o pregador das multidões”, “o profeta que Deus atende” etc. Certamente são propagandas de si mesmo, sendo uma total autopromoção.

– Maniqueísmo

Sempre esses pregadores dividem o mundo entre o Bem e o Mal. Eles, como agentes do Bem estão prontos para enfrentar o Mal em qualquer situação, como macumbas, maldições, feitiçarias e se colocam como “libertadores” desses males. Nada mais longe das Escrituras, já que não existe em toda a Bíblia uma batalha equivalente em forças entre Deus e o diabo.

– O uso excessivo de clichês e palavras de ordem

Como parte de um apelo populesco e emotivo, os pregadores usam e abusas de palavras de ordem e clichês. Imagine o tempo desperdiçado com tais coisas, enquanto a exposição das Escrituras fica em quinto ou sexto plano.

É necessário rever essas questões. Pentecostalismo não pode ser confundido com esse discurso tão distante das Escrituras, com uma metodologia no mínimo duvidosa.

junho 17, 2009 at 2:56 am Deixe um comentário

Pseudo-pentecostais: nem evangélicos, nem protestantes

Um grande equívoco cometido pelos sociólogos da religião é o de por sob a mesma rubrica de “pentecostalismo” dois fenômenos distintos. De um lado, o pentecostalismo propriamente dito, tipificado, no Brasil, pelas Assembléias de Deus; e do outro, o impropriamente denominado “neopentecostalismo”, melhor tipificado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Um estudioso propôs denominar essas últimas de pós-pentecostais: um fenômeno que se seguiu a outro, mas que com ele não se conecta, pois “neo” se refere a uma manifestação nova de algo já existente. Correntes de sociologia argentina já os denominaram de “iso-pentecostalismo”: algo que parece, mas não é. Lucidez e coragem teve Washington Franco, em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Alagoas, quando classificou o fenômeno representando pela IURD de “pseudo-pentecostalismo”: algo que não é. Um estudo acurado dos tipos ideais, Assembléia de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus, sob uma ótica sociológica, ou uma ótica teológica, nos levará à conclusão que se trata de duas manifestações religiosas diversas, que não podem — nem devem — ser colocadas sob uma mesma classificação. Ao se somar, a partir do Censo Religioso, esses dois agrupamentos, tem-se um alto índice de “pentecostais”, constituídos, contudo, pelos que o são e pelos que não o são. Equiparar ambos os fenômenos não faz justiça à Igreja Universal e ofende a Assembléia de Deus. 

Podemos afirmar, ainda, um segundo equívoco dos analistas: considerar a IURD e suas congêneres como “evangélicas”. Elas próprias, por muito tempo, relutaram em se ver como tal, pretendendo ser tidas como um fenômeno religioso distinto, e terminaram por aceitar a classificação “evangélica” por uma estratégia política de hegemonizar um segmento religioso mais amplo no cenário do Estado e da sociedade civil. O evangelicalismo é marcado pela credalidade histórica e pela ênfase doutrinária reformada na doutrina da expiação dos pecados na cruz e na necessidade de conversão, ou novo nascimento. 

Se o pseudo-pentecostalismo não é pentecostalismo, nem, tampouco, evangelicalismo, também não é protestantismo. O discurso e a prática dessa expressão religiosa indicam a inexistência de vínculos ou pontos de contatos com a Reforma Protestante do Século 16: as Escrituras, Cristo, a graça, a fé. Chamar o bispo Macedo de protestante é de fazer tremer o Muro da Reforma, em Genebra, e os ossos de Lutero e Calvino em seus túmulos. Muita gente tem incluído a IURD, e assemelhadas, como pentecostais, evangélicas ou protestantes, para inflar, de forma triunfalista, os números, ou por temor de retaliações legais, ou extralegais, vindas daquelas instituições. Se sociólogos têm denominado manifestações novas na cristandade, como as Testemunhas de Jeová, os Mórmons, ou a Ciência Cristã, como “seitas para-cristãs”, podemos denominar a Igreja Universal e congêneres de “seitas para-protestantes”. 

O que se constata, cada vez mais, é que o fenômeno pseudo-pentecostal tem concorrido para uma maior aproximação entre os pentecostais (já tidos como históricos, por sua antigüidade e mobilidade social e cultural) e as igrejas históricas. De um lado, os pentecostais redescobrem o valor da história, de uma confessionalidade e de uma teologia sólida; do outro, os históricos vão flexibilizando (ou ampliando) a sua pneumatologia, reconhecendo a contemporaneidade dos dons do Espírito Santo. O fosso entre pentecostais e pseudo-pentecostais tende a aumentar, não só pela aproximação entre pentecostais e históricos, mas também pela crescente adesão dos pseudo-pentecostais a ensinos e práticas sincréticas, com o catolicismo romano popular e os cultos afro-ameríndios. Quando estudantes de teologia assembleianos, batistas nacionais ou presbiterianos renovados aprendem com teólogos anglicanos (John Stott, J.I. Packer, Michael Greene, Alister McGrath, N.T. Wright), e anglicanos, luteranos ou presbiterianos usam de um louvor mais exuberante e oram por cura e libertação, na expressão de Gramsci, um novo “bloco histórico” vai se formando (retardado pelo extremo fracionamento entre ambos os segmentos), do qual, é claro, não faz parte o pseudo-pentecostalismo. Esse “bloco histórico” em formação, para se consolidar, não apenas deve se conhecer mais mutuamente, somando conceitos e subtraindo preconceitos, mas também responder aos desafios de um pluralismo que inclui a diversidade do catolicismo romano, o pseudo-pentecostalismo, o esoterismo, os sem-religião e um agressivo secularismo, emoldurado pelo relativismo pós-moderno. Isso passa, necessariamente, pelo aprender com a história da igreja — durante, depois e “antes” da Reforma — e pela superação de uma iconoclastia que, equivocadamente, equipara o artístico com o idolátrico. 

Contamos com estadistas do reino de Deus, com humildade, visão e coragem para consolidar esse bloco? 

Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada.
www.dar.org.br

Fonte: Revista Ultimato

outubro 17, 2008 at 11:24 pm 7 comentários

Fé Razão e Sentimentos

Devemos empregar o melhor de nossa razão para conhecer quais são as verdadeiras Escrituras canônicas, para expandir o texto para traduzi-lo verdadeiramente, para agregar inferências exatas e justas das declarações das Escrituras, e então aplicar tudo isso em questões de doutrina e adoração.                                        
                                                                                      Richard Baxter – líder puritano
Em nossa revolta contra a razão, mudamos a “fé de uma vez por toda confiada aos santos” (Jd 3) e fracassamos em nos preparar para defender essa fé.

Embora a razão, a lógica e o pensamento crítico não sejam nossas únicas ferramentas, sem eles somos inclinados a interpretar erroneamente a palavra de Deus, possuindo zelo sem conhecimento e utilizando de modo equivocado os dons celestiais.

Ondas de romantismo, relativismo e individualismo têm desencadeado uma ênfase crescente no sentimento em prejuízo do pensamento, na emoção em detrimento da doutrina e na experiência em detrimento do intelecto.   

Onde quer que esses valores encontrem adeptos,encontram-nos à custa de se atirarem fora os lemes da razão. Conseqüentemente, isso leva muitos cristãos às correntes da desobediência, para dentro do grande mar da subjetividade, onde nuvens carregadas de misticismo ditam a jornada espiritual.
                                    
Quando isso ocorre, ventos turbulentos de meias verdades sopram, empurrando os náufragos indefesos contra os penhascos violentos da confusão e da espiritualidade insensata.

É uma pena que tão poucos autores pentecostais- carismáticos  escrevam sobre a a natureza e os perigos do misticismo e da intuição subjetiva.

Com essa lacuna, parecemos dizer que o problema é raro em nosso meio ou que é comum, todavia insignificante. O misticismo é, de maneira geral, o modo de julgar a verdade e a realidade por meio de sentimentos, impressões e experiências pessoais, formulando assim a visão de vida e ditando as decisões de alguém.                         

Aqueles que abordam a vida espiritual desse modo freqüentemente assumem “que sabem que sabem” e se colocam acima do escrutínio da razão e dos bons conselhos.
 
Mesmo quando a “verdade” acolhida por eles não é aceita, tendem a questionar a não aceitação ou alterar a “verdade” de modo que se ajuste ao que tem que ser.

Em sua avaliação, a impressão que eles têm apresenta autoridade porque vem de seu interior; e, como vem do interior, deve ter a autoridade do Espírito Santo; e, sendo do Espírito Santo, essa voz não mente.
 
Esse tipo de raciocínio circular não apenas prejudica o testemunho cristão como também causa tremenda dor de cabeça para amigos, familiares e congregações que ficam refém de tais absurdos.

Qualquer um de nós provavelmente consegue se recordar de numerosas ocasiões estranhas que presenciamos de numerosas ocasiões estranhas que presenciamos como resultado de fortes impressões questionáveis, intuição pessoal e vozes interiores. Isso mostra o tipo de loucura que pode ocorrer quando se descarta a razão.

Não podemos esquecer também, das multidões que se sentem firmemente guiadas por Deus a determinada igreja, mas que, convenientemente, não se envolvem com ela e se sentem à vontade para ir para outra igreja poucas semanas depois.                                                                    

É de vital importância crermos que o Espírito Santo ainda fala ao corpo de Cristo e que o direcionamento pessoal é  um dos métodos pelo qual Deus dirige seus filhos. Há algo de errado conosco se não nos alegrarmos diante do pensamento de sermos conduzidos pelo Espírito de Deus.

Entretanto, há também algo de errado se rejeitamos nossa razão, confundindo cada firme opinião interna com a voz de Deus, fundamentando assim nosso sistema de crença em fenômenos sobrenaturais ininterruptos (reais ou imaginários).   

Certamente devemos estar abertos a acontecimentos extraordinários, mas devemos acreditar apenas no que é claramente ensinado nas Escrituras.

Teste cada espírito, avalie todas as coisas, e, evite todas as formas de ser diferente, porque na maioria das vezes isso é mera vaidade.                                             

Precisamos ser cuidadosos para não seguir toda unção interior (especialmente quando essa é egoísta), não nos inclinarmos a buscar sinais e maravilhas e não nos desvencilharmos da lógica e da razão como se elas fossem inimigas do sobrenatural.

Os dois grandes extremos entre os quais devemos operar são o ato de apagar o Espírito por um lado e o sensacionalismo pelo outro.

Devemos conhecer nossas próprias fraquezas e tendências a fim de trazer equilíbrio para nossa vida espiritual. Sem estar aberto a outras visões e sem honestidade diante dos próprios preconceitos, uma pessoa nunca conseguirá descobrir tal equilíbrio.                     

Há muito trabalho a ser feito a fim de dar assistência adequada aos seguidores do Evangelho, para que tenham uma vida plenamente consciente e correta em uma sociedade tão enganadora e confusa.

Um dos primeiros passos para se atingir esse objetivo é ajudar nosso povo a perceber que razão e fé não são inimigas mortais, ensinando-os também a limitar suas convicções doutrinárias ao campo dos ensinamentos bíblicos explícitos.

Autor: Rick Nañez é pastor assembleiano (EUA) e missionário no Equador.

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Do livro- Pentecostal de Coração e Mente – Um chamado ao dom divino do intelecto.              
Título original- Full Gospel, fractured minds? 
Autor- Rick Nañez – Editora Vida, 2007.

Fonte: Ictrindade.com.br

setembro 7, 2008 at 1:02 am 3 comentários

Escatologia Apocalíptica e Pentecostalismo

A importância do Milênio de João para a Igreja de hoje

O que motivou o reavivamento pentecostal no início do século 20? Nada foi mais importante do que o novo foco em Jesus como Salvador, batizador no Espírito Santo, curador e Rei vindouro. Com isso veio um novo entendimento da promessa de Joel que Pedro citou no Dia de Pentecostes: “E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos mancebos terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos”, Atos 2.17. A explosão pentecostal na missão da rua Azuza, em Los Angeles, Califórnia, trouxe ali pessoas de todas as partes do mundo e as enviou em todas as direções como testemunhas habilitadas pelos Espírito Santo à difusão do Evangelho.

Pedro inspirado pelo Espírito interpretou o “depois” (Joel 2.28) como significando “nos últimos dias”. Deste modo, a maioria dos pentecostais primitivos acreditavam que a recente efusão do Espírito Santo estava anunciando os “últimos dias”. Isso coloca uma nova ênfase na profecia bíblica e especialmente no livro de Apocalipse com sua figura culminante do retorno de Cristo em triunfo e os mil anos de governo a seguir. A promessa do retorno do Senhor ajudou a estimular os pentecostais a se tornarem missionários, levando o Evangelho o mais rápido possível ao maior número de pessoas possível. O resultado tem sido a maior expansão do Evangelho desde os primeiros séculos da Igreja.

Algumas das igrejas do século 19 colocaram sua esperança na escatologia pós-milenista, a qual acreditava que a Igreja poderia influenciar nas bênçãos mileniais e ganhar o mundo para Cristo. Eles acreditavam que nesse tempo seriam capazes de mudar a direção das nações ao redor para Jesus sem quaisquer dos catastróficos eventos mencionados no livro de Apocalipse. Esses eventos foram espiritualizados, aplicados ao fim do primeiro século ou ignorados. Mas com o crescimento evidente da influência satânica e as desafiantes trevas do mundo fazendo frente à influência cristã, muitos voltaram ao pre-milenialismo.

Os pentecostais primitivos estavam plenamente convencidos das verdades da teologia pre-milenialista. A renovada ênfase teológica na significativa interpretação da Bíblia também marcou o reavivamento pentecostal. Eles reconheceram que a escatologia apocalíptica por meio do uso da linguagem figurativa poderia ser cumprida em eventos reais da História. Eles foram inspirados pela bendita esperança do retorno de Jesus Cristo e seu reino milenial. “Sinais dos tempos” que correspondiam a eventos profetizados na Bíblia os encorajavam a acreditar que Jesus estava vindo.

Agora que temos entrado em novo século, o que deveria significar para nós hoje o retorno de Jesus e seu reino milenial? Primeiro, devemos manter em mente que a totalidade da Bíblia tem um olhar para frente. De Gênesis a Apocalipse encontramos nela promessas e profecias que mantém o povo de Deus olhando à frente, para o que Deus irá fazer. O Antigo Testamento olha à frente, para a Primeira e a Segunda Vinda de nosso Senhor Jesus. O Novo Testamento declara o propósito e validade de sua Primeira Vinda. Isso nos dá a garantia de que o cumprimento dessas profecias na vida, morte e ressurreição de Jesus mostra-nos que a vontade de Deus será fiel para cumprir as profecias da Segunda Vinda. A ressurreição dos crentes, o futuro reino milenial e os novos céus e nova Terra com a Nova Jerusalém serão consumados pelo mesmo Deus fiel.

Essa esperança é a esperança certa, a esperança de que podemos depender. Conforme lemos em Romanos 15.13, “Ora o Deus de esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pela virtude do Espírito Santo”. Deste modo, nossa esperança é certa porque o Deus de esperança nos guiará nessa condição. É impossível para Ele mentir (Hebreus 6.17-18). Isso é chamado “a esperança” simplesmente porque ela ainda não tem se cumprido (Romanos 8.24-25). Ela é feita real em nossos corações pelo imenso poder (do grego, dunamei) do Espírito Santo. Verdadeiramente, essa esperança é “uma ancora para a alma, firme e segura” (Hebreus 6.19).

Como os anjos disseram aos crentes na ascensão de Cristo: “Os quais lhes disseram: Varões galileus, porque estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o viste ir”, Atos 1.11. Então, deveremos ser como os tessalonicenses que se converteram dos ídolos a Deus, “para servir aos Deus vivo e verdadeiro, e esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dos mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura”, (1 Tessalonicenses 1.9-10).

Jesus confirmou essa esperança aos seus discípulos na última ceia, quando ele mesmo disse: “E digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vide até aquele dia em que o beba de novo convosco no reino de meu Pai”, Mateus 26.29. Esse “dia” é o profetizado dia do Senhor que trará consigo tanto julgamento quanto restauração. Esse “fruto” é o fruto da vinha que cresceu na terra. E “aquele dia” e o “Reino do Pai” deverão ser na Terra – o reino milenial profetizado por João.

Os crentes comprados pelo sangue serão apresentados em um inalterável alto grau de relacionamento com Jesus de sorte a tomar parte no seu reino milenial. Isso tomará lugar na Ceia das Bodas do cordeiro. Jesus é o noivo que Paulo tinha em mente quando escreveu aos crentes de Corinto: “Porque eu estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo”, 1 Coríntios 11.2. O livro de Apocalipse chama atenção para a noiva que fez a si mesma pronta e a quem foi dado que vestisse linho fino, puro e resplandecente (19.7-8). Os exércitos celestiais que seguem Jesus em cavalos brancos (simbolizando triunfo) estão vestidos de linho fino, branco e puro (Apocalipse 19.14), identificando-os claramente com a Noiva do Cordeiro (a Igreja), que toma parte na Ceia das Bodas do Cordeiro (Apocalipse 19.6-9). 1 Esses exércitos estão com Jesus quando ele toma o controle e estabelece o milênio de paz e bênção – o reino milenial. Eles irão cantar um novo cântico de redenção e serão feitos “reino e sacerdotes para servir ao nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra”, Apocalipse 5.10.

Apocalipse capítulo 20 é o único lugar que menciona o tempo do reino como de mil anos, especificamente. A referência bíblica nesse capítulo é primariamente ao julgamento de Satanás, que toma lugar em dois estágios: primeiro, mil anos de aprisionamento, então, após um breve período de soltura, seu eterno julgamento que será no Lago de Fogo. Entre esses dois estágios, os santos (que são os crentes nascidos de novo) reinarão com Cristo nos mil anos de seu reino milenial. A repetição do número mil (seis vezes) parece enfatizar que esse é o atual número de anos e que devem ser tomados literalmente. 2

A esperança de um milênio literal refletiu-se nos escritos de numerosos líderes cristãos que viveram em dias subseqüentes aos dos apóstolos. Nisso incluía-se Papias (60-130dC), Justino Mártir (100-165dC), Irineu (130-202) e Tertuliano (160-330dC). Orígenes (cerca de 185-254), entretanto, foi influenciado pelos pagãos e filósofos judeus, negando qualquer milênio futuro e interpretando o Milênio como sendo a presente Era da Igreja. Logo outros foram interpretando as profecias de modo alegórico, místico e simbólico.

Outra mudança tomou lugar após o império de Constantino fazer do cristianismo a religião oficial do Império Romano. “Os pastores e superintendentes das igrejas não há muito tomavam a posição de servos-líderes. Em vez disso, eles seguiram o modelo do Império Romano. Quando a capital do Império mudou-se de Roma para Constantinopla, essa partida criou um vácuo em Roma, e o bispo de Roma andou nesse vácuo para tomar a liderança política e fazer do seu assento um trono. Grande número dos bispos começaram a procurar nas suas igrejas as bases de poder. A atenção foi logo voltada ao poder e à autoridade terrenos e não na bem-aventurada esperança da Igreja. Como resultado desse processo, nasceu o amilenismo (não há milênio) como negação de qualquer reino futuro na Terra. 3

Essa falsa teologia foi promovida por Jerônimo (347-420) e Agostinho (bispo de Hipona, no norte da África de 396-430). Pela Idade Média os católicos romanos acreditavam que estavam construindo a cidade de Deus (que é a Nova Jerusalém) aqui na Terra. Após a Reforma, protestantes transmitiram o amilenismo para dentro de suas igrejas e espiritualizaram o livro do Apocalipse. Então, no século 18, Daniel Whitby (1638-1726) propagou a teologia pós-milenista que reivindicava que a igreja deveria atravessar mil anos de prosperidade sob o poder do Evangelho antes de Jesus voltar para assumir a direção (responsabilidade). Com o passar do tempo nesse encorajar liberal, Metodistas e Presbiterianos identificaram a erra milenial com a evolução teísta. Isso favoreceu o secularismo e, como resultado, a maioria das denominações perderam membros.

Ao mesmo tempo, existencialistas europeus focaram o humano. A neo-ortodoxia, enquanto buscava corrigir algumas doutrinas ortodoxas, também tratou a Bíblia como mero livro humano. Então, a libertação teológica tratou o Reino de Deus como nada, a não ser uma metáfora focada na política radical e na mudança social.

Havia uma esperança, não obstante. Rumo ao final do século 19, professores da Bíblia ressuscitaram de novo a verdade bíblica do reino milenial. Alguns foram aos extremos do dispensacionalismo, não deixando espaço para manifestações de milagres no presente dia dos dons do Espírito Santo. Mas quando o reavivamento pentecostal emergiu no início do século 20, eles não prestaram atenção às restrições e permitiram ao Espírito Santo restaurar dias como os de Atos dos Apóstolos. Isso foi em dias quando a teologia liberal, que era contrária ao sobrenatural, estava dominando a maioria das denominações na Europa e na América. Os teólogos liberais aguardavam criar o Reino de Deus na Terra por sua própria sabedoria, sem qualquer ajuda de Deus ou do seu Espírito Santo. Muitos deles estavam tomando liberdade com a Bíblia, cortando fora os que eles não gostavam e rejeitando uma visão bíblica linear da História assegurando futuras bênçãos.

Com toda essa história em mente, como podem os crentes pentecostais ter a verdadeira visão bíblica do reino milenial? Eu acredito que há sei pontos-chaves que irão nos apontar a direção certa. 4 São eles: a) Devemos compreender o que entendemos como uma interpretação ou hermenêutica das Escrituras; b) Devemos reconhecer que a amarração de Satanás é ainda futura; c) Devemos reconhecer que a primeira ressurreição é no tempo da Vida de Cristo para arrebatar os crentes; d) Nós devemos reconhecer que o julgamento por Cristo é anterior ao milênio e o Grande Trono Branco é antes do milênio; e) A nação de Israel terá uma restauração espiritual e um lugar no milênio; f) Cristo e os crentes irão “reinar na Terra” por mil anos.

1) Correta interpretação – Isso significa, considerando o texto, não somente fora da passagem imediata, mas também do livro e esse dentro e fora da Bíblia como um todo. Por exemplo, a serpente de Gênesis 3.1 é identificada como animal. Essa era uma serpente literal, mas isso não significa que era somente uma serpente. Quando lemos, vemos que ela era mais que uma serpente, porque tinha uma habilidade que qualquer serpente ordinária não teria. Então, quando vamos a Apocalipse 12.9 e 20.2, vemos a serpente identificada como Diabo ou Satanás. Na Bíblia, como um todo, está claro que somente Deus pode criar. É também claro que Satanás e seus demônios, enquanto existência espiritual, manifestam-se a si mesmos  somente para tomar em possessão algum ser vivente em que haja corpo. Por essa razão Satanás teve de possuir a serpente. 5

Então, é por isso que há muitas passagens com a profecia do retorno literal de Cristo, como por exemplo Hebreus 9.27-28: “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez vindo depois o juízo. Assim também Cristo, oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que esperam para salvação. Seu retorno literal para trazer a plenitude de nossa salvação apela para a ressurreição literal, o milênio literal, e o literal governo na Terra. 6

2) De acordo com Apocalipse 20.2, a amarração de Satanás será total. Isso não aconteceu na cruz, como alguns dizem. Satanás ainda está trabalhando naqueles que são desobedientes (Efésios 2.20). Ele tenta embaraçar os cristãos (1 Tessalonicenses 2.18). Se não resistirmos a ele nos tornaremos suas vítimas, porque “o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar”, 1 Pedro 5.8-9.

Alguns dizem que Satanás foi amarrado pelo edito de Constantino que para com a perseguição aos cristãos. Mas a perseguição continuou a vir através dos séculos desde então, para não mencionar o que a Igreja Católica Romana fez com os verdadeiros crentes. Muitos amilenialistas têm suposto que o amarrar de Satanás é agora, efetivamente mantendo-o sem enganar as nações. Mas qual nação é livre da decepção satânica hoje? O amarrar final de Satanás será ainda no futuro, e somente um anjo enviado por Deus irá amarrá-lo e lançá-lo no abismo por mil anos. Ele não será capaz de enganar a ninguém durante o milênio.

3) Também fomos levados a considerar nós mesmos “mortos ao pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 6.11). Isso não nega a promessa da ressurreição futura do corpo (1 Coríntios 15). Apocalipse 20.4 fala de dois grupos. O primeiro grupo sentado no trono e julgando – nele se inclui os crentes fiéis da Era da Igreja (Apocalipse 3.21-22; 1 João 5.4). Entre eles, como Jesus prometeu, estão os doze apóstolos julgando as doze tribos de Israel (Lucas 22.30). Israel restaurado, purificado, cheio do Espírito Santo de Deus, irá indubitavelmente ocupar toda terra prometida a Abraão (Gênesis 15.18) e será com a Igreja parte de um povo de Deus.

O segundo grupo são as almas que “vieram à vida” e esses dois grupos simultaneamente “reinarão com Cristo por mil anos”. Essas almas que vieram à vida referem-se a ressurreição do corpo, e não à ressurreição espiritual, é claro, “mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram” (Apocalipse 20.5).

“A primeira ressurreição” (Apocalipse 20.5) inclui os dois grupos mencionados no versículo 4. Eles são os únicos que fizeram o que o bom Deus intencionava que fizessem (o que inclui acreditar em Jesus como Senhor e Salvador). O restante dos mortos são aqueles que tinham feito maldade e que serão trazidos perante julgamento do Grande Trono Branco (João 5.29). Veja também 1 Coríntios 15.20-23, onde a Bíblia compara a primeira ressurreição com a ceifa – Cristo, a primícia, e o restante da colheita na sua Vinda para encontrar-nos no ar, e a respiga sendo aqueles martirizados durante o período da Tribulação.

4) O Pai deu a Jesus autoridade para julgar (João 5.27-29). Então todos os crentes virão antes ao Tribunal de Cristo (2 Coríntios 5.27-29). Aqueles que corresponderam às responsabilidades, Deus lhes fará ouvirem: “Bem está, servo bom e fiel”, Mateus 25.21-23. Eles serão “encarregados de muitas coisas” e irão gozar da alegria de Cristo durante o milênio e nos Novos Céus e Nova Terra.

5) Ainda que o Antigo e Novo Testamentos mostrem que os gentios irão gozando as bênçãos futura do reino milenial com Israel, Deus irá cumprir suas promessas especiais a Israel. Ezequiel capítulos 36 e 37 declara que Deus irá restaurar a Israel ainda que este tenha profanado seu nome. Ezequiel 36 indica que os judeus retornam à sua terra em incredulidade, Deus irá produzir a restauração espiritual. Ele não os tem rejeitado (Romanos 11.2).

6) Não devemos espiritualizar a singela declaração de que Cristo  irá reinar “na Terra” durante o milênio. O anjo que atou Satanás descerá do céu e após o milênio soltará Satanás, que “sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da Terra”, (Apocalipse 20.7-8). Claramente, o reino de Cristo será nessa Terra. “Ele dominará de mar a mar, e desde o rio (Eufrates) até as extremidades da terra”, Salmo 72.8 e Zacarias 9.10. A promessa a Abraão foi somente do Rio Eufrates até o Rio do Egito. Mas o Reino de Jesus será universal sobre toda a Terra.

As profecias do Antigo Testamento confirmam isso. A visão de Daniel do reino descreve-o como pedra que “feriu a estátua, se fez um grande monte, e encheu toda a terra (…) E esmiuçará e consumirá todos estes; reinos, e será estabelecido para sempre”, Daniel 2.35,44. O reino será recebido pelo Filho do Homem após os reinos desse mundo serem destruídos (Daniel 7.11-26 e Zacarias 3.8-9).

Que bênção será compartilhar com nosso Senhor Jesus Cristo a paz milenial e a retidão (Isaías 14.7-8; 35.1-2; 6-7; 51.3; 55.12-13; Salmo 96.11-13; 98.7-9 e Romanos 8.18-23). Deus irá transformar o mundo animal também (Isaías 11.6-8; 65.25 e Ezequiel 34.25).

Claramente, o reino milenial não virá por meio de uma reforma social ou representação humana. Deus trará isso. A segurança do júbilo futuro do reino milenial é algo que deve nos manter esperando pelo retorno de Jesus. Ainda que através Dele venha o julgamento, o melhor ainda virá.

Stanley M. Horton (Th.D) é professor emérito do Seminário Teológico das Assembléias de Deus. Autor de diversos livros publicados pela CPAD.

julho 6, 2008 at 2:58 am 2 comentários

Teologia da Batalha Espiritual

Uma análise dos erros e acertos do ensino que tem criado muitas dúvidas entre os membros das igrejas evangélicas

Análise do tema Batalha Espiritual, aqui, enfoca o conjunto de crenças e práticas neopentecostais, mas que vem alcançando espaço em nosso arraial. São inovações provenientes de várias fontes: erros de interpretação de textos bíblicos, experiências pessoais e revelações de origem estranha. Trata-se de distorção doutrinária que está muito em voga na mídia evangélica e que, nos últimos anos, vem recebendo aceitação de muitos líderes desavisados.

REALIDADE DA BATALHA ESPIRITUAL

É verdade que no trabalho da pregação do Evangelho ocorrem muitos fenômenos inexplicáveis. Reconhecemos que os demônios existem. Eles são reais e manifestam-se de várias maneiras, principalmente nas pessoas possessas. Tais espíritos precisam ser expulsos. É verdade, que oração e jejum são indispensáveis e muito importantes na vida do crente, principalmente, quando se encontra numa situação dessa. Esses fatos são atestados nos Evangelhos (Mateus 12.22; 17.19-21).

Antes de sair a campo para evangelização, devemos orar, pedindo a Deus que prepare o campo para a semeadura. Oração e jejum por uma cidade ou um bairro a serem evangelizados são como tropas de artilharia, que primeiro destrói a fortaleza do inimigo, como na guerra, destruindo pontes, aeroportos, rodovias, centrais elétricas, emissoras de rádio e televisão, para que depois as tropas de infantaria possam completar o trabalho.

No plano espiritual há muita semelhança (2Coríntios 10.4). Orar, também, para que o Espírito Santo prepare cada coração para ouvir o Evangelho é muito importante, porque é o próprio Espírito quem convence o homem do pecado (João 16.8).

A batalha espiritual é, portanto, um tema bíblico: “porque não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais”, Efésios 6.12.

Nessa anáfora, a preposição pros, “contra”, é usada cinco vezes para reforçar a idéia de que a esfera principal de atuação do Príncipe das Trevas não é apenas como muitos pensam: na prostituição e no crime, mas principalmente no reino das religiões, religiões falsas etc. É uma batalha espiritual.

Na versão Revista e Corrigida, a tradução de kosmokratoras tou skotous por “príncipes das trevas” é mais precisa. Segundo o dicionário de Horst Balz e Gerhard Schneider, o referido termo significa: “…Senhor do mundo”. À margem da Bíblia, o termo serve para designar os deuses que regem o mundo (Hélios, Zeus, Hermes), e também os seres espirituais ‘cósmicos’ (os planetas)” 1. Os termos entre parênteses são partes da obra citada. Esse conceito está dentro do pensamento paulino nessa passagem.

Nesse aspecto, a teologia da batalha espiritual está de acordo com as Escrituras Sagradas. Os fatos estão registrados na Bíblia e nenhum cristão ousa negar essa realidade. Mas, a interpretação desses fatos apresentada pelos teólogos da batalha espiritual torna-os mais próximo do esoterismo e do ocultismo do que dos pentecostais. Isso envolve a doutrina da maldição hereditária, dos espíritos territoriais, e a idéia de expulsar demônios dos próprios crentes em Jesus.

MALDIÇÃO HEREDITÁRIA

Os expositores dessa doutrina afirmam que seus ensinos têm apoio bíblico e pinçam a Bíblia em busca de versículos aqui e acolá na tentativa de consubstanciar as novidades apresentadas ao povo. Marilyn Hickey é a principal promotora da referida doutrina, também conhecida como maldição de família. A doutrina resume-se nisso: se alguém têm problemas com adultério, pornografia, divórcio, alcoolismo, tendência suicida é porque alguém de sua família, no passado – não importa se avós, bisavós, tataravôs – teve esse problema.

Segundo essa doutrina, a pessoa afetada pela maldição hereditária deve, em primeiro lugar, descobrir em que geração seus ancestrais deram lugar ao Diabo. Uma vez descoberta a tal geração, pede-se perdão por ela, e dessa forma, a maldição de família será desfeita. Uma espécie de perdão por procuração, muito parecido com o batismo pelos mortos, praticado pelos mórmons.

Seu livro intitulado Quebre a Cadeia da Maldição Hereditária, publicado no Brasil, pela Adhonep, em 1988, mostra que seus argumentos são baseados essencialmente em experiências humanas e em perversões exegéticas.

A autora procura fundamentar suas idéias da maldição de família nos problemas de origem espiritual da dinastia de Herodes. Quer provar que a natureza perversa e desnatural de Herodes, o Grande, foi passado de pai para filho. Segundo ela, todos os seus descendentes foram afetados pelo pecado do pai 2.

Será que isso prova a doutrina da maldição de família? A resposta é não! Caim e Abel eram filhos dos mesmos pais, receberam a mesma educação religiosa; entretanto, um era fiel, e o outro ímpio (1João 3.12). O que dizer de Jacó e Esaú, irmãos gêmeos, educados num mesmo lar. Um tornou-se crente e o outro profano (Malaquias 1.2 e Hebreus 12.16-17). Não existe na Bíblia registro de profeta ou apóstolo praticando ou ensinando a inovação defendida aqui pela autora, para quebrar a maldição de Caim, nem de Cão e nem de Esaú.

É óbvio que o ambiente em que vivem os filhos influencia muito na formação moral, psicológica e espiritual deles (Jeremias 13.23). É perfeitamente normal que as características dos pais passem para os filhos, tanto pelo convívio como pela hereditariedade genética e, também, espiritual. Assim, o exemplo da dinastia de Herodes, citado na referida obra, não se reveste de peso, é inconsistente, porque conseqüência genética e natural. Além disso, a dinastia de Herodes era uma família ímpia que não se converteu ao cristianismo. Colocar uma situação dessa como defesa da maldição hereditária é uma camisa-de-força.

A Bíblia ensina que a maldição dos pais não vai além da quarta geração: “Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR, teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem”, Êxodo 20.5.

Esse texto muito conhecido é o segundo mandamento do Decálogo. Interessante que essa passagem é contra a idéia da senhora Hickey, no entanto, ela mesma usou a referida passagem para dar consistência bíblica a sua doutrina.

Vinculando de maneira aleatória, o segundo mandamento do Decálogo ao relato de Cão, descendente de Noé (Gênesis 9.24-27), Hickey conclui: “Visto afirmar a Bíblia que ela é visitada até a quarta geração daqueles que o aborrecem – você poderá observar como ela recaiu sobre as gerações dos cananeus. Quando um pai pratica um pecado, seu filho o assimila. Estabelece-se logo uma fraqueza para pecar, e a velha natureza que vem do pai se transmite ao filho. Então vem o diabo e tenta o filho, e ele também cai3 (Grifo nosso). Isso não é verdade, pois nem sempre o filho assimila o pecado do pai. Há muitos exemplos na história dos reis de Israel e de Judá registrado nos livros dos Reis e das Crônicas. O rei Amom “fez o que era mal aos olhos do SENHOR”, 2Crônicas 33.22, no entanto, o rei Josias, seu filho: “E fez o que era reto aos olhos do SENHOR e andou nos caminhos de Davi, seu pai, sem se desviar deles nem para a direita nem para a esquerda”, 2Crônicas 34.2.

O segundo mandamento do Decálogo diz que Deus visita a maldade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que aborrecem a Deus. Quando alguém se converte a Cristo, deixa de aborrecer a Deus, logo essa passagem bíblica não pode se aplicar aos crentes (Romanos 5.8-10), pois se tornou nova criatura, “as coisas velhas já passaram, e eis que tudo se fez novo”, 2Coríntios 5.17.

A Bíblia ensina que a responsabilidade é pessoal. Havia em Israel um provérbio muito antigo: “Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram”, Ezequiel 18.2. Os hebreus usavam este adágio para lançar a culpa de seus pecados nos antepassados. “Uvas verdes” são os pecados e, os “dentes embotados” são a conseqüência deles. Veja que Deus proibiu esse dito em Israel: “Que pensais, vós, os que usais esta parábola sobre a terra de Israel, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram? Vivo eu, diz o Senhor Deus, que nuca mais direis parábola em Israel”, Ezequiel 18.2-3.

Todo o capítulo 18 de Ezequiel gira em torno da responsabilidade individual do homem diante de Deus: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai, nem o pai levará a iniqüidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele”, Ezequiel 18.20. Não há espaço no cristianismo para essa crença estranha da maldição de família.

Outra tentativa para dar roupagem bíblica a essas inovações é a interpretação errônea ao termo “espíritos familiares” (Levíticos 19.31; 20.6 e Isaías 8.19). A autora afirma que os espíritos familiares são “maus espíritos decaídos que se tornaram familiares numa família” 4. Interessante, é que a escritura insinua que essas referências bíblicas só valem se for na versão inglesa do rei Tiago, King James Version, porque nela se traduz por “espíritos familiares” nas três passagens em apreço acima citadas.

A palavra hebraica usada para “espíritos familiares” é ‘obh, ou ‘õbhôth no plural, e significa uma pessoa que tem um espírito familiar. O Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento registra o seguinte: “As traduções modernas têm uma variedade de termos. Dentre eles temos: médium, espírito, espírito de mortos, necromante e mágico” 5. É a “técnica de necromancia rotulada de ventriloquismo. A LXX usa engastrimythos ‘ventriloquismo’ em todas as passagens, exceto Isaías 29.4″ 6. Traduzida da Vulgata Latina por magus, que significa “feiticeiro, médium”, e por python, “advinho”, em Isaías 8.19; 29.4.

O que a Bíblia chama de médium, necromante ou algo do gênero, a autora diz serem espíritos que passam de pai para filhos, na tentativa de substanciar uma doutrina extra-bíblica.

ESPÍRITOS TERRITORIAIS

Os expositores desse ensino fundamentam essa crença em experiências humanas, nos relatos de missionários e não na Palavra de Deus. Peter Wagner, no capítulo três do livro Espíritos Territoriais, demonstra isso.

Em resumo, a doutrina consiste na crença de que Satanás designou seus correligionários para cada país, região ou cidade. O Evangelho só pode prosperar nesses lugares quando alguém, cheio do Espírito Santo, expulsar esse espírito maligno.

Em decorrência disso surgiu a necessidade de uma geografia espiritual, daí o mapeamento espiritual. Os espíritos territoriais são identificados por nomes que eles mesmos teriam revelado com suas respectivas regiões que supostamente comandam.

O apóstolo Paulo diz que “o deus desse século cegou o entendimento dos incrédulos”, 2Coríntios 4.4. Peter Wagner usa o mesmo método das seitas no sentido de tirar conclusões em mera possibilidade. Ele julga ser possível considerar o termo “incrédulos”, como “territórios”, sendo “nações, estados, cidades, grupos culturais, tribos, estruturas sociais” (pág. 72), e sobre essa falsa premissa, constrói seu pensamento doutrinário.

Ainda de maneira sutil, ela procura fundamentar sua idéia nas palavras: “príncipe do reino da Pérsia” (Daniel 10.13), “príncipe da Grécia” (v20) para justificar o mapeamento espiritual. O capítulo três da citada obra apresenta, até, nomes desses supostos espíritos territoriais, os quais teriam se revelado a si mesmos, como Tata Pembele, Guarda dos Antepassados, Espírito de Viagens, entre outros.

Narai seria o espírito-chefe na Tailândia. Isso evidência que os defensores da crença dos espíritos territoriais também crêem na mensagem demoníaca e, isso é muito perigoso, pois Satanás é o pai da mentira (João 8.44).

Não existe vínculo entre a doutrina do mapeamento espiritual com a mensagem de Daniel 10.13, 20, pois o texto sagrado trata de uma guerra angelical e não há indícios da presença humana. O profeta está completamente alheio a essa batalha, seu papel é outro.

Os promotores da doutrina dos espíritos territoriais costumam, também, citar a passagem do endemoninhado gadareno (Marcos 5.10). Quando o demônio, porta-voz da legião, “rogava muito que os não enviasse para fora daquela província”. Isso parece, à primeira vista, que os promotores do tal ensino estão certos. Mas o texto deve ser interpretado à luz do contexto.

A passagem paralela mostra que tal pedido aconteceu porque Jesus havia mandado os tais espíritos para o abismo: “E rogavam-lhe que não os mandasse para o abismo” (Lucas 8.31), por isso pediram para ficar na região, não se trata, portanto, de espíritos territoriais. Essas inovações são perturbadoras e destoam completamente do pensamento do Novo Testamento.

EXISTE CRISTÃO ENDEMONINHADO?

Esses pregadores da batalha espiritual defendem a prática de expulsar demônios de cristãos e isso como resultado de uma teologia distorcida. Segundo essa teologia, o homem seria um espírito que tem alma e habita num corpo. Isso é defendido por muitos líderes da Confissão Positiva, como Essek William Kenyon e Kenneth Hagin.

Partindo desse falso conceito, afirmam que o Espírito Santo habita no espírito humano, na salvação e, os espíritos imundos “estão relegados à alma e ao corpo do cristão” 7. Outros citam, ainda, passagens bíblicas, como: “o mau espírito da parte de Deus, se apoderou de Saul” (1Samuel 18.10) e fraseologia similar (1Samuel 19.9); Judas Iscariotes (Lucas 2.3); Ananias e Safira (Atos 5.1-10). Essas três passagens são interpretadas por eles de maneira distorcida.

CARACTERÍSTICA DE UMA SEITA

Uma das características de uma seita é reavaliar conceitos teológicos a fim de adaptá-los às suas crenças, fugindo do padrão ortodoxo. À luz da Bíblia, o homem é um ser metafísico e moral, feito à imagem e semelhança de Deus, constituído de corpo, alma e espírito (Gênesis 1.26; 2.7 e 1Tessalonicenses 5.23). Alma e espírito são entidades imateriais, distintos um do outro, embora inseparáveis.

O corpo é o invólucro material da alma e do espírito. O texto de Hebreus 4.12 fala da “divisão da alma, e do espírito, e das juntas e medulas”. Isso refere-se às três partes distintas da constituição humana.

Fazer jogo de palavras envolvendo corpo, alma e espírito para redefinir teologicamente o homem, afirmando ser ele um “espírito que tem alma e habita num corpo”, facilita a manipulação do texto para adulterar a teologia ortodoxa. A constituição bíblica do ser humano contraria o falso conceito da presença dos demônios no corpo e na alma do cristão.

O argumento sobre o estado espiritual e psicológico de Saul precisa ser analisado com muito cuidado. Há, de fato, quem afirme que ele ficou endemoninhado. Os que defendem esta linha de pensamento sustentam que Deus deu permissão aos demônios para atormentarem Saul, assim como permitiu ferir o patriarca Jó (1.12).

Se isso puder ser confirmado, deve-se levar em conta que Saul, nessa época, estava desviado, Deus o havia rejeitado por causa de sua desobediência (1Samuel 15.23). Entretanto, o texto bíblico não afirma que Saul ficava endemoninhado. É dito que o Espírito Santo retirou-se dele e que “o assombrava um espírito mau da parte do SENHOR” (1Samuel 16.14). Trata-se de um espírito da parte de Deus e não de Satanás. De qualquer forma, é muito temerário usar tal passagem bíblica para fundamentar uma doutrina dessa.

FALSO ARGUMENTO

O exemplo de Judas Iscariotes é inconsistente. A Bíblia revela, de fato, que Judas Iscariotes foi possesso, mas é como disse Paulo Romeiro: “dizer que ele foi um cristão é forçar demais o texto bíblico, e nem foi essa a opinião do Senhor sobre ele” 8. O Senhor Jesus disse que Judas Iscariotes era “um diabo” (João 6.70), e que não estava limpo (João 13.10, 11). O texto sagrado revela ainda que ele era ladrão (João 12.6).

A passagem de Ananias e Safira que o texto bíblico afirma que Ananias e Safira mentiram e não que ficaram possessos ou endemoninhados.

O acontecido é que eles não vigiaram e, por isso, agiram sob influência de Satanás. Eles mentiram ao Espírito Santo (Atos 5.3). Isso pode acontecer com um cristão vacilante, e não é indício de possessão maligna, por isso devemos orar e vigiar, para não cairmos em tentação, disse Jesus: “o espírito está pronto, mas a carne é fraca”, Mateus 26.41.

O Senhor Jesus disse que todos os espíritos demoníacos deixam o corpo da pessoa que se converte ao seu Evangelho (Lucas 11.24). O tal corpo fica varrido e adornado, pela obra do Espírito Santo (v25). A Bíblia, ensina ainda, que o corpo do cristão é templo do Espírito Santo (1Coríntios 6.19) e que o corpo, a alma e o espírito do cristão pertencem a Deus (v20). Nós temos promessas de Deus de que o maligno não nos toca: “o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca”, 1João 5.18. O cristianismo baseia-se na Bíblia, e não em experiências humanas, contrárias às Escrituras Sagradas.

ERROS E ACERTOS

Colocando na balança os erros e acertos da Teologia da Batalha Espiritual muito pouco se tem de positivo. Ainda assim o positivo é praticamente neutralizado pelos seus inúmeros malefícios. O incentivo à oração e à dependência divina é um ótimo estímulo ao cristão. Todavia, o povo de Deus está habituado à oração sem essas inovações dos proponentes da batalha espiritual.

À luz da Bíblia essa teologia é falsa e perniciosa. Ela vem trazendo muita confusão nas igrejas.

Outro problema sério: a tal teologia fascina os evangélicos de maneira assustadora, mais que qualquer outro assunto teológico.

Os livros nessa área sobre reavivamento satânico, sobre experiências satânicas, de testemunhos e visões sobre o reino das trevas, são campeões de vendas, cuja leitura não recomendamos, pois em nada edificam o Corpo de Cristo.

Por, Esequias Soares da Silva
Manual do Obreiro

NOTAS

1 BALZ Horst e SCHNEIDER, Gerard. Dicionário Exegético Del Nuevo Testamento, 2ª. Ed. vol. I, Ediciones Sigueme, Salamanca, 2001, pág. 2.379.
2 HICHEY, Marilyn. Quebre a Cadeia da Maldição Hereditária, Adhonep, Rio de Janeiro, 1993, pág. 37-43.
3 HICHEY, Marilyn. Op. Cit., pág. 32.
4 HICHEY, Marilyn. Op. Cit. pág. 62.
5 HARRIS, R. Laird, ARCHER, JR, Gleason L., WALTKE, Bruce K. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, Vida Nova, S. Paulo, 1998, pág. 24.
6 BOTTERWECK, G. J., RINGGREN, Helmer. Theological Dictionary of the Old Testament, vol. I, WM. B. Eerdmans Publishing CO., Grand Rapids, Michigan, USA., 1990, pág. 131.
7 HAMMOND, Frank e Ida Mãe. Porcos na Sala, Editorial Unilit, S. Paulo, 1973, 132.
8 ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em Crise, Editora Mundo Cristão, S. Paulo, 1995, pág. 125.

julho 6, 2008 at 2:52 am 10 comentários

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